06 novembro, 2012

O que vi da vida



Com 25 anos de vida posso dizer que já vi muitas coisas acontecerem ao meu redor, participei de intermináveis combates comigo mesmo e chorei por pensar erroneamente que não há um Deus sobre nossas cabeças. Diversas vezes perdi a fé em mim, perdi a fé nas pessoas ao meu redor que estendiam suas mãos em minha direção e me isolei, estive recluso a sós com meus fantasmas e provei do gosto amargo da solidão. Esta que me acompanhou por grande parte dos meus dias até então, vive de mãos dadas comigo até hoje. Sem tirar o mérito das conquistas alheias, sem tapar o sol com a peneira no que diz respeito a dor de terceiros -porque cada um de nós sabe a dor do calo que os nossos sapatos apertam- nem sobrepondo minhas experiências por sobre a vivência de pessoas "mais velhas", sinto que vivi muito mais do que precisava ter vivido. Tive dissabores, tive  fins de tarde observando o sol se pôr, tive amigos,  tive inimigos, tive uma vida bastante cheia de momentos inesquecíveis  para o bem e para o mal. É a vida uma coletânea de momentos.
Ainda pequeno precisei lidar com a rejeição materna; um joga de lá que eu pego de cá que, na ingenuidade infantil onde tudo é incompreensível demais, as pessoas são altas e as coisas estão sempre distantes, eu via minha mãe se afastando de mim, se afastando de meus irmãos e não entendia direito aquilo. Via meus irmãos se revoltarem das maneiras mais equivocadas possíveis  não por culpa deles, não construíram maturidade suficiente para esperar baixar a poeira e revidar para a vida de modos inteligentes e construtivos, perderam-se para as drogas, para a prostituição, para algumas mazelas que não estampam cartões postais com pinheiros Araucárias. Eu crescia em meio aquilo tudo, acordando com estilhaços de vidros arrebentados por pedras furiosas, com sirenes de camburões que sempre recolhiam um ou outro após um roubo, uma violência pelas ruas, quando as drogas os conseguiam deixar prostrados pelas tumultuadas e cheias praças de Ponta Grossa. Fui crescendo e percebendo que o mundo não era tão belo como parecia ser na TV.
As primeiras notas vermelhas no boletim, as primeiras surras por mau comportamento em sala de aula, a apatia para com o ensino e a desaprovação dos meus colegas que precisavam descontar em mim raivas por culpas que eu não cometera. Naquela época eu não podia prever mas jamais fiz amigos nas escolas, desde esses tempos até a mocidade. Eu era o saco de pancadas, era o pirralho fraco que todos adoravam zombetear. Apanhava quase todos os dias e quase todos os dias era visto como o problema. Minha professora de 2ª série conquistou completa ira para comigo, de modo que quando algo na sala não estava bem, eu era sempre o culpado. Eu quem levava palmadas, minhas mãos que recebiam repreensões com uma régua de madeira que me lembro bem, apesar da memória debilitada dos dias atuais, certa vez manchou-se de sangue por uma de minhas pequeninas unhas terem se quebrado com o golpe desferido, cortando meu dedo e transformando-o de branco-pálido em escarlate. Quase reprovei, mas consegui passar.
Lembro como se fosse hoje, na 3ª série eu era o gracejo preferido da turma enquanto que da minha 4ª série não trago recordações: é como se este ano escolar tivesse sido apagado da minha memória. Então na 5ª série, com diversos professores e matérias diferentes em um colégio diferente, experimentei o primeiro verdadeiro inferno da minha vida: a depressão.
Eu não podia ouvir negativas em minha direção que chorava. Não conseguia conversar com as pessoas, não me alimentava direito, estava cada vez mais recluso em mim, havia criado um circulo de meio metro de diâmetro que me era o porto seguro; tudo que estava fora dele era estranho, ruim, me assustava e eu não queria. Depois de quase 1 ano de tratamento com remédios consegui transpor esta fase negra. Mal sabia que a tempestade ainda estava por vir.
Fui enfim morar com minha mãe, que desde o primeiro momento deixou claro que eu era uma visita em sua casa, não tinha seu sangue, não tinha saído dela. Ela não poderia ter feito ser tão desprezível e insignificante como eu. Assim os dias se passavam, eu ouvia estas afirmativas, a via se embebedar ao ponto de quase se afogar no próprio vomito e urina, dava-lhe banho, para no dia seguinte começar tudo de novo. A adolescência chegou e com ela o crescimento espontâneo, fisicamente falando. Eu, que era um gordinho baixinho me transformei num "vara-pau" enorme, que atendia como "o drogado'; de "insignificante" para "drogado" já gozava de um salto de importância, uma vez que os drogados ao menos incomodam... Até então eu não sabia sequer do cigarro. O descobri por imbecilidade, descobri a maconha, o álcool, redescobri a escuridão que me atormentou há anos atrás. Então eu fugia de tudo e todos, passava dias, semanas nas ruas tentando me encontrar, tentando achar um motivo para aquilo tudo. O caminhão que me atropelou não fez o serviço direito e nem um osso sequer eu quebrei! (jamais quebrei osso algum)! Os remédios furtados da prateleira da drogaria não foram capazes de me dar senão náuseas, sonolência de quase 2 dias apagado e uma sensação de ressaca que parecia durar uma eternidade. Os goles de desinfetante me fizeram viajar, nada mais. E acordei com uma mistura na camisa de sangue, bilis e papa do que havia comido há uns dois dias antes desta tentativa frustrada de me libertar. Então a policia me encontrava nas ruas, eu apanhava deles, voltava pra casa, apanhava e fugia de novo... na escola eu era o mendigo drogado sem pai nem mãe, que só fazia merda e vivia cheirando mal pelas ruas. Os olhares de repulsa de todos entravam em minha alma e atacavam meu coração como agulhas ligeiras a bordar uma colcha de retalhos. Já não apanhava mais na escola, agora os maus tratos eram psicológicos, os socos eram verbais, os chutes eram a reprovação de todos pela minha presença no colégio.
Então o tempo passou e num surto de libertação fugi de casa pela ultima vez, ficando 3 meses e pouco na rua. Morar na rua não foi ruim, absolutamente, pois nela descobri de inúmeras formas como o ser humano não vale nada. Como somos podres, cada um de nós, totalmente podres. Nas melhores e piores intenções, somos podres.
Saltando enormemente no tempo e espaço, nessa trôpega cronologia cheia de lacunas a preencher, passando por 4 anos vivendo em um abrigo, convivendo com crianças cujos pais já não se importavam (tinha um menino de menos de 2 anos, João, que havia apanhado da mãe com cabo de vassoura e já não tinha os movimentos da mãozinha direita) aprendi muito, vi um outro lado do ser humano: o lado solidário  Fui ajudado por muitas pessoas, cuidei (por ser o mais velho) de diversas crianças maltratadas pela vida (assim como eu tinha também sido, na minha intensidade peculiar) e até tive "um filho", o pequeno Christian que me chamava de "papai". Meu coração se enchia de ternura com aquele gesto, hoje ele deve ter seus 13, 14 anos, se ainda estiver vivo. Se não tiver perdido pra vida.
Depois disso tudo vim para Brasília há 7 anos atrás, onde fui ajudado por meu tio. Sou ajudado até hoje, não mais financeiramente mas espiritualmente; saber dele, que tem seus 2 filhos lindos e uma esposa amorosa, me alegra a alma. Saber que ele está bem, jogar futebol com ele vez ou outra, me anima. Tive momentos de merda onde atentei contra mim uma vez mais, novamente sem sucesso. Trabalho, faço faculdade, sou apresentável, falo bem. Hoje, depois disso tudo, olho pra trás e não sei se me orgulho ou me entristeço. Não estou nos meus melhores dias atualmente, muitas dúvidas, muitos caminhos, muitas decisões a tomar: 7 anos atrás eu não tinha nem perspectiva do amanhã.
Olhando para trás eu observo que foi criado um homem cheio de manias, cheio de vícios, cheio de dúvidas, medos, incertezas, desconfianças. Uma pessoa comum, que errou e acertou, que teve sua parcela de culpa e mérito em cada conquista e em cada derrota e que precisa aprender muito, mas muito mesmo. Preciso aprender a não esperar demais das pessoas, não projetar nelas as minhas necessidades esperando que elas irão supri-las, pois não irão. Cada qual se preocupa com sua vida, com seu umbigo, com seus problemas e seus sonhos, seus horizontes, suas tempestades. Talvez eu precise me doar menos, ser mais "normal", já que o "normal" hoje em dia é não se importar, pensar de modo egoísta primeiro em mim para depois, se sobrar tempo e com muita relutância, penso nos outros, em quem está ao meu lado com um prato na mão pedindo ajuda. Eu sempre amei demais as coisas e pessoas, assim como sempre odiei com igual intensidade. 8 ou 80. Quando amo é pra valer, quando odeio sai de perto.
Nesses 25 anos de vida eu sorri, chorei, abracei, ajudei, morri e ressuscitei diversas vezes. Sou chato, egoísta, ranzinza, detalhista, intuitivo, rancoroso; no final das contas, o que eu preciso e todos nós precisamos é de mais carinho. Estou realmente cansado de dar mais que receber, viver nesse débito terrível.

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