O rapaz de cabelos castanhos chamava-se Pedro. Sentado em sua cadeira de balanço na
varanda ele apreciava a vida que passava diante dos seus olhos, perguntando para seu
coração se era ele digno de todas as bençãos que recebeu da sua vida, ao longo de todo seu
tortuoso caminho. Sabia que no passado precisou fazer inumeras escolhas, muitas destas de
forma equivocada que o jogaram ao fundo do poço de onde por vezes imaginou não conseguir
sair, mas em todas estas ocasiões, em cada tropeço que cometera, havia sempre uma
bondosa mão para ajuda-lo a reerguer-se. Tive sorte -murmurou consigo enquanto se divertia
com a crença dos homens que atribuem tudo aquilo que lhes é desconhecido à Obra Divina.
Apagou o cigarro pela metade, alcançou seu casaco por sobre a mesa de madeira castigada
pelo tempo e levantou-se, precisava tomar banho e se aprontar para sair. Se havia um Deus,
Ele tratou de presenteá-lo com mais uma mágica possibilidade de viver, mais um dia de vida.
Sua noite tinha sido como há muito não lhe ocorrera: não teve sono por um instante sequer.
Despiu-se em direção ao banheiro para tomar uma ducha quente, o que certamente prorrogaria
o sono ladrão que viria a cavalo mais tarde, pronto para carregar consigo todo ânimo de um
dia de quarta-feira. A água quente deslizava por seus ombros, massageava seus músculos
lhe conferindo um bem-estar absoluto, quase sagrado, enquanto a espuma do sabonete
desenhava traços disconexos por toda pela branca de um jovem suburbano de vinte e poucos.
Reparou que estava mais magro, perdera cerca de cinco quilos nas últimas semanas e atribuiu
esta diferença ao seu novo estilo de vida, de agir e pensar; havia decidido ser mais paciente
consigo e com os que o rodeavam, sem se deixar apunhalar pela maléfica bruxa da ansiedade
que o fazia comer quando não tinha fome. Comia pelo simples fato de comer, e comia muito
mal.
O dia já dava seu ar da graça, os primeiros raios solares abraçavam a Terra e o cheiro do
orvalho se dissipava mansamente ao passo que o mundo todo acordava para mais uma
jornada árdua de trabalho, afazeres domésticos, chefes histéricos e contas à pagar. Pedro
terminava de se vestir enquanto bebericava do café de ontém que ainda restava na garrafa
térmica. Sentia-se estranhamente disposto naquela manhã e incrivelmente belo diante do
espelho, sensação que não recordava ter sentido nos ultimos dias. Aparou sua quase nula
barba ao som do seu cantor favorito que tocava no rádio. A música era muito pertinente para
os dias atuais de Pedro, que pretendia iniciar uma revolução em sua vida. A lâmina lambia seu
rosto e com uma precisão quase cirúrgica em poucos minútos não havia nada além de uma
aparência levemente mais jovial que há alguns minutos atrás. Seu casaco estava sobre o sofá
da sala, Pedro o pegou e acendeu um cigarro, caminhando em direção de silenciar a voz de
Frank, seu velho amigo de longa data. Com as chaves na mão ele se lançou para a rua, para
seu destino que já estava escrito muito antes dele sequer entender quem era e porque estava
neste mundo. Ele não precisava saber, bastava viver sua vida que tudo já estava decidido.
“...And not the words of one who kneels. The record shows, I took the blows and did it my way.”