Então seus olhos eram os mais
distantes que eu já havia visto. Seus pensamentos, quem dera saber dos seus
pensamentos. No trabalho a sua concentração carregava uma aura quase religiosa,
sua beleza séria denunciava por vezes o desejo dos dias possuírem mais que 24
horas. Jamais me notara, jamais me dirigira um olhar ou cumprimentos, sequer
sabia que eu existia. Em total divergência com este cenário, por incrível que
pareça ela sempre se prostrava aos meus olhos; distante, mas comigo de tal
forma que eu poderia sentir sua alva pele sem sequer ter um dia encostado em
seu belo rosto. O céu e o oceano: parecem unidos, quando na verdade há uma
imensidão os separando.
Apressada, apressando,
parecia sempre em outra sintonia. Como de costume, os dias passavam e o desejo
de tê-la em meus braços era constante, indissolúvel, inquestionável. Dividia os
corredores com ela algumas vezes, mas seus olhos insistiam em fitar o chão,
pareciam tímidos, parecia não querer contato, recusavam quaisquer tentativas de
observação. Os ventos percorreram seus
caminhos e eu não encontrava meio nem coragem para me aproximar. Certa vez tão
próximos ficamos que, por Deus, eu poderia congelar aquele instante só para
apreciá-la por uma eternidade... E então dar vida à imaginação. Mas nada
aconteceu novamente.
Os dias se arrastavam como
grandes maltrapilhos, apanhados pela letargia mórbida de um destino sem
piedade, sem intenção de que as estações completassem seu ciclo, sem o destino
querer trazê-la para mim. Um dia, dois dias, dez dias, vinte dias... Trazê-la
para meus braços e então beijá-la como sempre tive vontade, como há muito desejara:
sonho distante. Os locais por onde a via agora eram outros, casa nova para
desejo antigo; antes você caminhava longe demais das minhas mãos, contudo
jamais distante dos meus olhos e pensamentos, mas nós estávamos todos lá e
agora eu conseguia vê-la mais vezes, de diversos modos diferentes e inusitados.
Cruzávamos quase que sempre pelos corredores, você tão linda com sua seriedade
quase britânica; eu meio bobo, como um menino tímido e pobre que namora a
bicicleta nova da vitrine observava seus passos tentando decifrar suas emoções,
sua fixação nos papéis, protocolos, por vezes gargalhava com os amigos...
Em um dia como muitos
outros, cansado de tudo e todos, o telefone toca. Exito por um instante mover
minhas mãos em direção ao som estridente que insiste em percorrer minha mente,
mas inevitavelmente alcancei o aparelho e eis que tomo um susto. É ela! Uma
eternidade separava aquele momento da ultima vez que havíamos trocado meias
palavras em um cinzento outono, empoeirado pelo passado. Conversamos poucos
minutos, mas o bastante para reanimar um dia sem vida. Ouvir sua voz melodiosa,
sentir entendimento e afinidade nas palavras com alguém que não se pode ver é a
maravilha que ‘Bell’ tornou possível. Uma ligação de poucos minutos que mudava,
apartir dalí, os rumos de toda historia.
Então seus olhos eram os
mais enigmáticos que eu já havia visto. Estávamos em frente a minha faculdade
num encontro que eu desejava há muito tempo. Eu estava assustado, incrédulo,
sem entender o motivo para alguém tão interessante dispor do seu tempo para
conversarmos. Mas até este momento enfim chegar passamos dias conversando, nos
descobrindo. Ela era divertida, eu tentava diverti-la também; conversávamos com
um respeito quase santo e nossas palavras eram revestidas de educação e
polidez. Parecíamos velhos amigos, combatentes de guerra que permaneceram décadas
sem se falar e que agora precisavam aproveitar o tempo que tinham, pois nunca é
tarde para a neblina se dispor sobre o verde gramado, sepultando segredos
jamais revelados. Após alguns desencontros, muitas tentativas em vão lá estávamos
nós... Ela, amavelmente bela, divertida, trazia no enigmático olhar um mistério
que gritava, ansiava por ser revelado. Como
uma criança acuada após uma traquinagem eu estava encolhido, tenso, sem
acreditar no que acontecia diante dos meus olhos. Ela, a pessoa que eu seguia há
anos por entre corredores mudos, que nunca se importam com aqueles apressados
que trafegam com papéis, que buscam esconder suas aflições do mundo - pois a
medida das aflições não é a mesma para todos, não é necessário compartilhar com
os demais suas dores, acredita-se erroneamente ser mais fácil suportar as dores
da vida quando se está sozinho - se prostrava ao alcance das minhas mãos, dos
meus sedentos lábios. O tempo de brincar de pique - esconde havia acabado, compartilhávamos
do mesmo ar, eu a tinha ao meu lado. Sem quebra-cabeças, sem o labirinto
desumano que me separou dela por tanto e tanto tempo.
Então seus lábios eram os mais doces que eu já havia provado. Sua sedosa pele,
a respiração ritmada, os ciumentos cabelos que insistiam em separar lábios que,
por Deus, pareciam terem sidos concebidos um ao outro. O beijo que levou anos
para acontecer marcaria agora alguns poucos segundos para a eternidade. Neste
instante eterno tudo e tanto se passou em minha mente, um turbilhão de emoções;
eu poderia congelar este momento para relembrá-lo por toda a vida. Quase não
acreditava em tudo que acontecia. Meus dedos, desbravadores, buscavam alento
por trás da sua cabeça enquanto nossos lábios dialogavam, enquanto nossos
corpos se esquentavam, enquanto o desejo se inflamava mais e mais.
Demorou um pouco, mas o desejo inflamado se tornou combustível fácil quando
diante dos meus olhos estava ela, despida, com o corpo arrepiado com meus
beijos. Abracei-a enquanto minhas mãos percorriam um terreno nunca antes
desbravado; seus olhos cerrados, os lábios mordidos, a respiração ofegante, indícios
de que estávamos nos entendendo. A luz baixa desenhava seu corpo belo entre os
alvos lençóis que a abraçavam... Seus seios não eram pequenos nem grandes, eram
jovens. Eram deliciosos assim como seu pescoço, que minha boca insistia em
morder ainda que a dona deste oferecesse resistência; nossos corpos nus, seus lábios
percorrendo meu corpo, suas mãos delicadamente buscando algo, sensações novas,
sensações incríveis, momentos inesquecíveis. Entrelaçados, nada mais importava
naquele instante, apenas nós dois. Eu e ela. A invadia com força, como marujos
em meio a um naufrágio nossas mãos buscavam agarrar com força o que estivesse
ao alcance, numa tentativa desesperada de que isso tudo não acabasse, desejando
perpetuar os sabores, os aromas, os calafrios, as caricias e as bobagens sussurradas
ao ouvido por entre beijos e mordiscadas. Estávamos enfim juntos, estávamos
abraçados e no ar a certeza de que estive com aquela que habitou meu imaginário
por tanto e tanto tempo.
Então seus olhos eram os mais belos que eu já havia visto...